sábado, 25 de abril de 2009

Expresso

Estava decidida a sair de casa na manhã do dia seguinte. Pensei “O que pode correr mal, Rita?”. A isto, o meu instinto respondeu “Nada. Sê livre!”. Bem, para dizer a verdade, o meu instinto não me respondeu (como é lógico) mas, alguma coisa dentro de mim me dizia para pegar o expresso de manhã bem cedo. Assim fiz. Acordei bem cedo no dia seguinte, tomei um bom banho, comi o meu super pequeno-almoço, guardei os meus mantimentos para o resto do dia e verifiquei se tudo estava em ordem dentro da mala. Chamei um táxi para me vir buscar a casa e, para minha surpresa, consegui fazer tudo isto sem acordar ninguém de casa, o que me deu mais ânimo para concretizar esta minha aventura.
Cheguei á gare e, rapidamente apanhei um expresso. Não tinha ideia para onde me dirigia. A única coisa que sabia era que, queria um tempo para mim. Sei lá, no dia anterior deu-me uma vontade de sair de casa, de conhecer pessoas novas, de (tentar) compreender outras vidas sem ser a minha, de me sentir, nem que fosse por um dia, livre. Sentir que também posso ter a minha liberdade. Percebem? Então assim fiz.
No caminho para o desconhecido, tirei os meus phones da minha mala, coloquei-os nos ouvidos e comecei a ouvir música. De seguida, pus o volume no máximo e virei-me para a janela para ver se conhecia a paisagem. Houve momentos, em que fui puxada para acontecimentos recentes que, sinceramente, não mereciam atenção, então sacudi a cabeça de modo a que esses pensamentos se afastassem. Durante a viagem, reenviei as minhas ideias para casa. Estava a ver se conseguia visualizar mentalmente as reacções dos meus pais, quando descobrissem que não estava em casa ou, então, estava mesmo a tentar arranjar uma desculpa para dizer aos meus pais, para me tentar desculpar por causa desta simples aventura.
Tinha chegado. Colocado o meu pé fora do expresso no incógnito local, senti logo um ar diferente ao da minha cidade. E esse ar tinha um nome: Liberdade. Liberdade fresquinha. Sim, porque ainda era de manhã. Tirei de imediato a minha preciosa máquina para retratar qualquer coisinha que me deslumbrasse, para mais tarde me recordar deste dia fantástico. Reparei que existia ali perto um pequeno parque. Dirige-me até lá e sentei-me num banco de madeira perto de uma árvore. Fechei os olhos, e senti o vento a passar-me na cara, a entrar por entre os meus longos cabelos encaracolados e fazendo, com que estes, esvoaçassem parecendo uma dança. De repente senti, novamente, alguém a sentar-se a meu lado. Abri os olhos, olhei para o meu lado direito e deparei-me com uma mulher que, visivelmente não era portuguesa. Era romena ou lá para esses lados. Tinha vestido um traje todo preto onde o lenço combinava com a indumentária. Tinha há volta de 60 anos e isso verificava-se pelas suas feições faciais. Parecia-me que estava sozinha no mundo, que não tinha ninguém para falar. Logo que me viu a olhar para ela, pegou-me na mão. Eu como não tive oportunidade para a tirar e vi que a senhora era de bem, deixei estar a minha mão sobre a dela. Começou a verbalizar sussurrando umas palavras que claramente não eram portuguesas. Começou a traçar linhas na palma da minha mão começando, cada vez mais, a olhar para mim. Reparei logo que era daquelas mulheres que se diziam ler o futuro. Sempre quis que me fizessem isso, por isso, este desejo foi mais um motivo para deixar a minha mão, na mão dela.
Primeiramente, disse que tinha a linha da vida comprida o que era bom sinal, a do amor também comprida mas mesmo assim, mais curta que a da vida e a da cabeça, do comprimento normal. Depois disse que a minha vida, ate agora, tinha sido boa, favorável, e eu acenei com a cabeça dizendo que sim. Depois quando foi, novamente, ler a linha do coração a sua expressão mudou. Disse que no amor tinha algumas dificuldades (eu ate ai já tinha percebido) mas que a linha da vida compensava tudo isso. No fim, de a mulher ter dito isto, dei por mim a pensar nos meus pais, na minha irmã, na minha família, nos meus amigos e ate nos meus animais de estimação, e reparei que, realmente tenho uma família muito boa e uns amigos também muito bons. E que até agora, isso era o mais importante da vida. A mulher continuou a ler a palma da mão, ate que disse:
-“Sabes, podes ter a linha do amor menos comprida que a da vida, mas esta ultima compensa todas as outras.” – disse ela com um sotaque que eu não consegui aclarar.
- “Sim, eu sei. Tenho uma óptima família e amigos que me ajudam a passar por todos os maus momentos da vida. E claro que isso cobre tudo o resto.” – disse eu verdadeiramente.
Ela acenou com a cabeça a afirmando que tudo o que eu tinha acabado de dizer era verdade.
Olhei para o relógio e verifiquei que já tinha passado algum tempo e eu queria desvendar os segredos daquele local. Pensei levantar-me e começar a descobrir cada canto daquele parque mas, de seguida, olhei para aquela mulher e pensei “Será interessante ouvir o que ela tem para me dizer. Ou ao contrario.” E sendo assim, poisei no chão a minha mala e deixei-me estar sentada no banco a ouvir a voz sábia daquela senhora. E digo-vos, deixei-me ficar porque, as vezes basta falar com alguém que não nos conhece ou que não conhecemos, para ficarmos consideravelmente aliviados. Porque assim, será tudo mais fácil. Porque afinal de contas, eles não nos podem julgar.

3 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

25 de Abril. Foi Bonita a Festa, Pá!
E Rita escreveu um conto à Liberdade. Lindo conto, belo conto.
Já deves saber que fui lendo e abrindo um branco sorriso, não?

Pois.
Escreveste brilhantemente e Brilhaste sim.
Mas não porque eu te queira, simplesmente elogiar...
De facto escreveste como escrevem os bons, escritores e roteiristas.

É que eu vi como em um filme.
E andei contigo no expresso, senti o vento tocar-me à face.
Bela escrita!
De tão alto o teu headphone, ouvi as músicas contigo. Consegui retratar-te e, tu, a mim.

Sairei daqui mais feliz do que quando cheguei. Porque sentei ao teu lado em um banco, numa praça qualquer, nesse mundo sem fronteiras.

Além de escritora És atriz?
Ou, de alguma forma, sobes ao palco?
Talvez pudesses pensar seriamente nisto. (risos) Espera! Não sou uma daquelas mulheres que vêem o futuro, não. Imagina!?
Sou a mais nova leitora da escritora Ana Rita.
É isto.
Esta tua viagem à liberdade, é um excelente argumento para um bom roteiro, sabes?
Imagina:
Seguirias viagem, sempre em teu pensar, estaria tua família, teus amigos e a seguir, pararias em pequenos sítios.

Gostava de ler-te assim.
Fica bem.
Bom final de semana.
Hoje é dia de comemoração à liberdade ai em Portugal, não?

Ei, Rita! Tu Brilhaste como Nunca...
Aplausos...
Carinho,
Mai

Leo Mandoki, Jr. disse...

..eu qnd tinha 16..17 anos costumava fazer isso (e acabava por preocupar meus pais!)...saía muito cedo de cada, apanhava o autocarro e só voltava a casa de noite...e tbm ia para jardins públicos, e na mochila levava frutas, livros, caderno de apontamentos e caneta. Não levava máquina fotográfica. E a verdade é que eu voltava à noite mais livre, mais liberto de fantasmas.
Um dia ainda te encontro num banco de praça e digo-te: Olá. Estás hj com um sorriso radiante...e ainda bem que voltaste a escrever como sempre escreveste.
um beijo

Sueli Maia (Mai) disse...
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