segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Viagem sem destino

Estava a chover. Tinha fugido de casa sem comer, e sem ter trazido qualquer tipo de mantimento, como se se tratasse de um fugitivo. Só com isto, via-se perfeitamente a minha inculpabilidade de tudo o que se tinha passado.
Sentia-me farta, tríada pelo tempo, vendida pela minha ignorância, apunhalada por todos e por mim, sobretudo por mim. Não sei como tal foi acontecer. A única certeza que me restava era que tinha arruinado a minha.

Nunca tinha visto chover daquela maneira. Pensei em ligar a um amigo mas já sabia que me ia aborrecer acerca do sucedido. Portanto, afastei essa ideia da minha cabeça (oca).
Por instinto, tirei o telemóvel do bolso da frente das minhas calças de ganga e, de repente, deparei-me com ele a tocar. Pensei que seria coincidência, visto que era o tal amigo. Mas como não acredito nesse tipo de coisas, resolvi atender:
- ‘Tou?
- Rita, esta tudo bem?
- Claro que sim. – menti-lhe – Porque que perguntas?
- Não sei. Deu-me um aperto no peito e … resolvi telefonar para saber se estavas bem.
- Sim, estou bem – voltei a mentir.
- Estas na rua? Parece que estou a ouvir chover.
- Ah, não. Não estou. É que…ah estou ao pé de uma janela.
- Não me mintas. Fugiste de casa como tinhas dito?
- Sim fugi! Estava farta. Não aguentava mais.
- Oh Rita… Bem já falamos. Estas onde?
- Ao pé da Sé – e ele desligou repentinamente.
No fim de ele desligar, soltei um suspiro, pensando eu que tudo voltaria atrás. Confirmando que tal não tinha acontecido, comecei a lamentar-me, chorando.
Nos minutos próximos, comecei a reflectir sobre os últimos dias. Dessa reflexão nasceu uma ira, uma indignação confusa que eu própria não consegui desmistificar. Recaindo sobre o que realmente tinha acontecido, surgiu, ao contrário de todas aquelas sensações anteriores, um bem-estar interior. Ainda hoje não sei como aquele pequeno sentimento se instalou dentro de mim, no meio de tanta desgraça.
Quando, por fim, eu já estava mais serena, avisto o carro do meu amigo e solto um sorriso.
- Estas aqui.
- Ainda bem que chegaste.
- Porquê?
- Estava a precisar de ti neste exacto momento – e abraço-o sem receio. Ele como resposta, abraça-me também dizendo:
- És doida Rita. Mas se não fosses assim, eu não gostava tanto de ti.
- Só tu para me pores a rir no fim de uma situação destas.
- Vá, eu levo-te a casa.
- Não. Antes vamos aproveitar.
- Aproveitar? Aproveitar o que?
- Aproveitar a noite, ora!
- Meu deus! Queres ir onde?
- Não sei. Um lugar distante da civilização.
- Já sei de um lugar. Vais gostar.
Metemo-nos no carro e fomos, julgava eu, em direcção a lado nenhum. No caminho ao suposto lugar, eu perguntei-lhe:
- Porque é que vieste ter comigo?
- Que pergunta é essa Rita?
- Porquê que vieste? - insisti.
- Porque és minha amiga. Aliás porque és minha única real amiga.
- Estou a falar a serio. Porque que vieste?
- Também estou a falar a serio.
- Oh!
- Então, porque gosto de estar contigo, e quando estou tudo parece acontecer. Parece que tu trazes sempre alguma aventura escondida na manga. Há sempre algo de diferente quando estamos juntos. Sei lá, tanta coisa.
- És um bom amigo sabes? – Perguntei eu em forma retórica
- Olha, chegamos.
Não tinha a menor ideia de onde me encontrava, e penso que ele também não. Só sabia que aquele local trazia uma paz imensa, um conforto enorme e que se estava optimamente bem.
- Sabes, as vezes venho para aqui apreciar a vista quando estou mais em baixo, mais amargurado.
- Não sabia disso – disse eu admirada.
Olhei em volta, e realmente aquele sítio valia a pena. Era calmo, nada stressante e tudo em entendimento próprio. Sentia-se uma breve brisa fresca que levava assim as coisas más da vida. E que por sinal, levou a mágoa que se tinha apoderado no meu ser. Se olhássemos para o horizonte, observava-se um mar calmo que tinha um enorme poder em nós. Fazia com que, quem contemplasse tal paisagem, ficasse numa serenidade gigante. Por cima deste mar, nascia uma espécie de linha amarela que mais tarde vinha a ser o topo do sol.
Quando dei por mim, já nem me lembrava do que se tinha passado e o porque de me sentir superior á Rita que uns instantes antes, estava em mim.
- Estas melhor? – perguntou
- Sempre preocupado comigo. O que achas?
- Que sim, penso eu.
- Sim, sim. Estou melhor. Obrigada.
- Obrigada porque?
- Por seres assim: simples, preocupado comigo, bom amigo. Sei lá.
- Não, eu é que agradeço por seres assim.
- Vá, cala-te e desfruta a paisagem – disse eu, em tom de brincadeira.