domingo, 5 de outubro de 2008

Aconchego

Estava a acabar de descer a escadaria, quando o avisto. Estava exactamente no local e a hora que tínhamos combinado assim á última da hora. Imaginava que tinha que ficar a espera dele. Mas não. Para meu espanto, naquele dia, ele foi cuidadoso.
Fez-me sinal para ir ter com ele. Pela expressão facial, vi que o assunto era sério. Aproximei-me e perguntei:
- “Então? Esta tudo bem? Qual o motivo deste súbito encontro?”
- “Não! Esta tudo mal! – diz ele começando a chorar.
- “Não estou a perceber. Explica. “
Ele muito nervoso, começa a contar o que tinha sucedido. Olhando para ele, reparava-se que tinha saído de casa apressado. Não tinha trazido um agasalho para a noite fria que estava, estava despenteado e isso não era dele. Ele andava sempre muito arranjadinho, ligava muito ao visual. E aquele rapaz que estava á minha frente, nunca o tinha visto. Era como se eu estivesse a olhar para um estranho, apesar de o conhecer há anos.
Todo ele tremia, todo ele estava assustado. Simplesmente não parava. Encontrava-se sempre em movimento. Ou estava sentado, ou estava levantado, ou no momento imediatamente a seguir estava a andar de um lado para o outro, como quem está confuso. Até que eu disse:
- “Para! Não estou a perceber. Estás muito nervoso. Anda beber um copo de água a ver se te acalmas.” Ele sem contrariar seguiu á minha frente.
Quando estava tudo mais calmo, falei:
- “Explica o que se passa. Mas desta vez com mais calma.”
- “Está bem.” – respirou fundo – “Lembraste de eu te dizer que a minha mãe estava no hospital?
- “Claro que sim. Porque?”
- “E lembraste de te dizer que ela ia ser internada?”
- “Sim. Claro que me lembro. Fui visita-la, ora bem, hoje é sábado, fui vê-la na quinta. Não foi?”
- “Sim.”
- “Mas ainda não contaste grande coisa. Vá conta lá.”
No fim de eu ter dito isto, ele começa a chorar. Juro que, há tantos anos que o conheço, e nunca tinha visto aquela reacção. Era como se ele estivesse perdido, como se não tivesse rumo. Como notei que ele estava fraco de espírito, dei-lhe a mão. Pensava que com este gesto as minhas boas vibrações acabassem por ser transmitidas para ele. Com coragem, olhando olhos nos olhos, e entre soluços disse:
- “A minha mãe morreu.”
No fim de ele ter dito tal realidade com tanto sofrimento, com tanta dor, fechei os olhos e soltei uma lágrima. Como gesto de amparo, apertei a minha mão contra a dele, fazendo assim, também, lhe lembrar que estava ao lado dele para tudo, ainda mais, naquela circunstância.
Eu, sem mais reacções algumas levantei-me da cadeira onde estava, e fui abraça-lo com tanta força, que senti o coração dele no meu peito, como fosse um só. Agora sim. Agora sabia que ele estava em entendimento com ele próprio.
As vezes um gesto, um aceno, um simples abraço ou mesmo um simples beijo fazem maravilhas, fazendo com que as palavras sejam meros vocábulos.