sexta-feira, 31 de julho de 2009

Segunda - feira de manhã

Era segunda de manhã e estava um belo dia para passear na cidade. Dei as minhas voltinhas do costume: fui ali, fui acolá, encontrei aquele, vi aquela. Um dia bem normal.
Continuei a caminhar pela cidade ate que dei por mim, à frente da biblioteca municipal onde, há muito tempo, já não passava por lá. Entrei, disse bom dia com toda a pujança da minha alegria e mal entrei na porta principal da biblioteca, senti o cheiro dos livros. Aquele cheiro a livro cheio de conhecimento, cheio de sabedoria que, a maior parte deles, vão ser esquecidos para todo o sempre e não vão receber, assim, o devido valor.
Dei uma vista de olhos, descendo as escadas, nas pessoas que se encontravam sentadas a ler os livros ou mesmo os jornais do dia. À medida que ia caminhando, ia passando o meu dedo indicador pela lombada dos livros sabedores. “Como eu gosto de fazer isto.”, pensava eu, cada vez que fazia tal gesto. Este simples gesto fazia com que a cultura que estava entranhada nos velhos livros, passasse para mim através dos meus dedos. E mais uma razão, ao fazer o gesto, parecia que ao passar somente o dedo, saía da biblioteca com mais ciência sobre a vida, sobre a minha existência. E isso ajudava-me muito.
Sentei-me, com o meu livro sobre a mesa e comecei a folheá-lo à procura da página onde tinha terminado a leitura. O livro era, basicamente, a mesma história de sempre: uma rapariga que encontra o homem da sua vida e que mais cedo ou mais tarde, consegue-o conquistar. Era daquelas histórias banais mas, que eu gostava de ler para passar o meu tempo.
Enquanto estava a ler o meu livro atenciosamente, reparo que algumas pessoas que estavam tranquilas a ler, quando eu entrei, agora estavam um bocado incomodadas com a presença de uma pessoa: de um sem - abrigo. Comentavam que ele tinha um cheiro muito intenso, muito forte mas que, estava sossegado com um livro à sua frente. Como não me sentia incomodada com a presença dele, deixei-me estar e voltei à minha leitura.
Mais tarde, reparei que o sem – abrigo saí do seu lugar e se levantava. À medida que ele se deslocava, apercebo-me que ele vem na minha direcção com o livro na sua mão.
Chegando ao lugar onde eu estava, aponta para mim. Eu, desorientada, viro-me para trás para ver se estava a apontar para mim ou para outra pessoa. Como não estava ninguém atrás, suspeitei que ele estava a apontar realmente para mim. Sentou-se ao pé de mim e aí é que verdadeiramente reparei, que o senhor não cheirava muito bem. Com preocupação, deixo-o ficar sentado mas afastei-me um bocado dele. E então ele disse:
- “Não tenhas medo. Não te vou fazer mal.” - Eu limitei-me a ficar calada. – Olá. Chamo-me José. E tu?”
- “Porquê que quer saber?” – Perguntei eu.
- “Porque quero tratar-te pelo teu nome. Mas pronto, se não me dizes vou arranjar um nome para ti. Vais ser a … A Rapariga da Biblioteca.” – disse ele.
- “Chamo-me Rita.”
- “Rita? Gosto mais desse nome. Prazer menina Rita.”
-“ Prazer Senhor José. Mas deixe-me que faça uma pergunta, porquê que veio ter comigo?”
- “A verdade é que… queria que me lesses uma coisa.”
- “Pois… até parece que não sabe ler.” E virei-lhe as costas.
- “Por acaso não. Por acaso não sei ler.”
No fim do senhor José ter dito o que disse, senti-me envergonhada por ter dito tais palavras.
- “Peço desculpa mas… não sei o que dizer.”
- “Oh, não tens que pedir desculpas nenhumas, Rita. O problema não é teu. É meu.” – riu-se.
- “Eu sei. Só que…”- continuava embaraçada.
- “Ponto já passou.”
-“ Então e o que quer que eu lhe leia, senhor José?”

A medida que fomos conversando, no meio da leitura, apercebi-me que o senhor José era um homem como todos os outros. Têm as suas fraquezas mas, também têm as suas forças.
Contou-me que já foi um homem com muita riqueza mas que, a maior riqueza que a vida deixou-lhe foi a sua vida. E não troca por nada deste mundo.
Ficamos horas e horas a falar enquanto eu, por vezes, lia-lhe o livro que ele tinha na mão quando veio ter comigo. Por mais coincidências que possa haver, era o mesmo livro que eu estava a ler, daquela história banal que eu vos contei no inicio.
Combinámos encontrarmos mais vezes na biblioteca para eu lhe ler mais umas histórias ou quem sabe, as noticias do dia. Mas o senhor José preferia que eu lhe lesse livros em vez de notícias. Dizia que “havia muitas tristezas por esse mundo fora”. A verdade é que tinha razão, então ficávamos só pelos livros.
Passou um mês, dois, três e é então que me apercebo que já lhe tinha contado mais sobre a minha vida, que eu alguma vez poderia imaginar. Gostava de falar com ele, ensinava-me coisas que a vida ensina pelas próprias mãos, dava-me conselhos, riamos os dois, e, claro, continuava a ler para ele.
Um dia, o senhor José diz para irmos dar um passeio pela zona histórica da cidade. Eu concordei e então começamos a vaguear a cidade. Explicou-me realidades que eu desconhecia, desenvolveu factos que eu jamais pensava existir na minha cidade. Até que eu disse:
- “Fogo, você é como os livros da biblioteca: sabe tudo.”

5 comentários:

Leo Mandoki, Jr. disse...

tem mto tempo que eu nao entro na biblioteca municipal. Já foste ao Arquivo Distrital? Tbm é giro lá dentro.
...
gostei dessa tua história. Fez-me lembra o filme O Leitor...já viste?
Eu não gosto de ler em voz alta. Parece que aquilo que estou a ler não é exactamente o que está escrito...é estranho...ler em voz alta não é a mesma coisa do que ler em silêncio.
beijocas

Zezita disse...

oh rita sempre que quiseres conhecimento basta passares o dedo por mim :D ahah

Sofia disse...

Tenho um selo para ti no meu blog (: *

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, Rita de imenso coração.
Disseste bem, todos temos forças e fraquezas e senhor José é um ser humano, diferente e igual.

Gosto de te ler mas gostava de letras maiores. Já estou com 5.1, Rita, meus olhos reclamam as letras miúdas.(risos)

beijinho, amiga.
Fica bem.
Estás?

Liliana Borges disse...

Que lindo, Rita.

Que saudades. Volta a escrever. Por ti. :)